“O neto de traficante não precisa ser o próximo traficante. Nesse sentido acredito que o esporte tem um papel fundamental”, declara Renildo Lopes Júnior.



Embora não exista uma data especifica que possamos apontar como a origem do esporte, há quem sugira que os homens primitivos praticavam algo semelhante ao que hoje conhecemos como esporte. Para sobreviver os homens primitivos precisavam correr, saltar, lançar objetos, usar arco e flecha, nadar entre outras atividades. Com o tempo tais características evoluíram para práticas esportivas. A realização dos Jogos Olímpicos (a partir de 776 a.C) marca o início do que poderíamos chamar de “atletismo”. Embora com viés religioso, os Jogos Olímpicos são as primeiras manifestações esportivas organizadas da história humana. Por volta de 1860 as universidades inglesas de Oxford e Cambridge passaram a realizar entre si provas de atletismo, e em 1866 surgiu o primeiro campeonato britânico. Dois anos depois o atletismo passaria ser praticado nos EUA e o esporte usado na formação de jovens.

Além das origens religiosas de determinadas modalidades esportivas, também temos a demonstração de força e de resistência frente a agressões. A capoeira foi trazida da África para o Brasil durante o Império, e por aqui também foi usada como uma forma de demonstração de resistência dos negros frente a opressão da sociedade, dos que exploravam o trabalho escravo. Com o tempo a atividade passou a ser permitida, e hoje milhares de brasileiros, e não apenas negros, praticam a capoeira. Administrações públicas, ONGs e associações usam a capoeira e outras modalidades esportivas como meios de ressocialização de detentos e inclusão social de jovens em comunidades pobres. Embora as igrejas evangélicas brasileiras invistam pouco em práticas esportivas, há alguns exemplos localizados.

As igrejas protestantes históricas têm investido mais em atividades esportivas, e não apenas como estratégias de crescimento e evangelização, mas também motivadas por uma preocupação com a formação de valores, e inclusão de jovens em situação de fragilidade social. Não são poucos os jovens que possuem algum tipo de envolvimento em práticas criminosas, e o tráfico de drogas é o que mais envolve a juventude brasileira. Segundo Renildo Diniz Lopes Junior, “o neto de traficante não precisa ser o próximo traficante”. Nesse sentido, segundo ele, o esporte tem um papel fundamental no envolvimento dos jovens com atividades que lhes darão melhores condições de vida, e os afastarão da influência de criminosos. Potiguar, Renildo Lopes Júnior é teólogo, pastor batista, formado em Sociologia pela UFRN e colaborador no Instituto Viva Esperança. Nesta entrevista conversamos sobre a importância do esporte, e a maneira como a igreja evangélica brasileira deveria trabalhar a temática.

Somos Progressistas. No Brasil, a temática esporte é automaticamente associada ao futebol. Apesar de ser o esporte mais praticado no País, não acha injusto que os meios de comunicação – especialmente os programas esportivos da TV Globo e Rede Bandeirantes de Televisão – deem maior espaço para esta modalidade esportiva? Que dizer do vôlei, do basquete, da natação, e dos esportes de contato físico?

Renildo Lopes Júnior. Sem dúvida que ainda existe, pelo menos na mídia esportiva uma predominância do futebol como esporte principal. Basta assistirmos os programas de esportes: gastam quase que noventa por cento de suas programações com a transmissão de partidas de futebol. O interessante é que em alguns estados do País vemos outras atividades esportivas com uma força extraordinária. A final da Super Liga de Vôlei foi um exemplo de que há espaço para a realização e cobertura de outras atividades esportivas que não exclusivamente as partidas de futebol, como atualmente acontece.

Somos Progressistas. Tivemos no Brasil duas grandes competições internacionais: a Copa do Mundo, em 2014, e as Olimpíadas, em 2016. Foram investidas vultosas somas em dinheiro na construção de arenas de futebol e no Parque Olímpico. Dizia-se que estas grandes competições iriam melhorar a imagem do Brasil, e alavancar os investimentos em esportes. Aconteceu conforme o previsto?

Renildo Lopes Júnior. Vou lhe responder a esta pergunta com base em um exemplo local, de Natal (RN). Foram investidos cerca de R$ 400 milhões na construção do estádio Arena das Dunas. Se tirarmos os imbróglios que relacionam a construção do estádio com o superfaturamento, os desvios de verbas públicas e outras irregularidades, vamos descobrir que foram investidos R$ 400 milhões em um estádio que oferece como opção de esporte apenas o futebol. Temos na cidade dois clubes de futebol populares: o América e o ABC, mas a média de público é de apenas 4.534 pagantes por jogo, o que corresponde apenas 14% das arquibancadas, e estamos falando de dados de 2016. Enfim, uma construção gigantesca que gera prejuízo e não tem utilidade para outras modalidades esportivas.

Somos Progressistas. Especificamente com relação às obras para a realização dos Jogos Olímpicos, no Rio de Janeiro, e antes motivado pela visita do Papa Francisco ao Brasil, em 2010 o governador Sérgio Cabral deu aval para que o secretário de segurança pública, José Mariano Beltrame pacificasse as favelas. Qual é a sua análise da proposta de pacificação de Cabral? A repressão policial surtiu efeito?

Renildo Lopes Júnior. Conheço pouco a realidade do Rio de Janeiro. Sinceramente não acredito que repressão policial resolva o problema da violência. Fiquei sabendo que a polícia do Rio de Janeiro é uma das mais temidas pela população das favelas. Não me sentiria seguro com uma arma por perto. Isso não quer dizer que o mundo seria melhor apenas se o principal agente de segurança pública fosse uma quadra de vôlei ou um tatame, mas se de fato houvesse interesse público em trabalhar pela segurança da população saberiam cortar o mal pela raiz, como diz um amigo meu de Recife: “se conseguirmos quebrar o ciclo familiar do tráfico teremos dado um passo importante”. O neto de traficante não precisa ser o próximo traficante. Nesse sentido acredito que o esporte tem um papel fundamental.

Somos Progressistas. Ainda com relação ao Rio de Janeiro e às Olimpíadas, mesmo com a intenção do governo federal de que a população pobre tivesse acesso às competições esportivas – a completa ausência de pobres na abertura da Copa do Mundo (em São Paulo) foi criticada pela presidenta Dilma Rousseff -, pouquíssimos moradores das favelas tiveram acesso ao Parque Olímpico. Que país é esse?

Renildo Lopes Júnior. Este é o país de uma elite privilegiada. Jamais acreditei que a camada mais pobre da sociedade brasileira conseguiria ter acesso aos estádios para assistir qualquer competição que fosse. O Brasil é um país estratificado econômica e socialmente, e o pobre vive apenas para garantir os prazeres da classe média; e a classe média garantir o enriquecimento da elite bilionária. Simples assim.

Somos Progressistas. A violência é um dos grandes problemas do Brasil, e não somente dos grandes centros urbanos, mas também das regiões interioranas. Para defensores dos direitos humanos as UPPs não deram certo justamente porque não foram acompanhadas por outras medidas, como a inclusão da juventude em projetos culturais e esportivos. O senhor possui a mesma visão? As UPPs deram certo?

Renildo Lopes Júnior. A realidade das UPPs é um pouco distante da minha realidade aqui de Natal, mas pelo que acompanho não há dúvida que o sucesso de qualquer programa de prevenção deve contar com um conjunto de atividades. Outro dia assisti um programa em que contava a escalada de violência em algumas cidades do México. Uma das cidades mais violentas estava sendo transformada pela ação conjunta da população, de uma polícia estruturada e de empresários que entendiam que o fim da violência colaboraria com o próprio comércio. Praças públicas que eram aglomerados de violência foram transformadas em parques de multe esportes. Isso faz a diferença. Se o estado faz parceria com aquelas pequenas iniciativas populares garanto que o ciclo da violência começa a ser rompido.  

Somos Progressistas. Países como Estados Unidos, Alemanha e China são conhecidos por investirem volumosos recursos em práticas de educação física e esportivas. Nos Estados Unidos, por exemplo, os estudantes têm suas notas em sala de aula vinculadas ao seu desempenho nas atividades esportivas. Daí porque o País ocupar as primeiras posições nos jogos olímpicos. No Brasil, ocorre o inverso: o governo articulou para tirar a disciplina educação física da grade curricular. Vê como um erro?

Renildo Lopes Júnior. Mais que um erro, um sinal claro de ignorância social e cívica. É impressionante como as coisas funcionam no Brasil: é como se propositalmente estivéssemos investindo na ignorância do povo. O déficit de capital cultural em nosso país é vergonhoso. Quando você entra em uma escola de ensino fundamental, nível médio e até mesmo em algumas universidades públicas é de se lamentar. Quanto potencial temos nestas escolas, quanta qualidade humana, mas que são ignoradas em detrimento de uma elite esportiva que se beneficia de todas as oportunidades disponíveis.

Somos Progressistas. Em entrevista ao portal da Educação da Igreja Adventista, o ex-técnico da seleção masculina de vôlei, Bernardo Rocha de Rezende, conhecido como Bernardinho, declarou que a pratica esportiva proporciona a vivência de muitos valores, da importância da persistência em busca da vitória e do trabalho em equipe. O Instituto Viva Esperança trabalha com estes mesmos valores?

Renildo Lopes Júnior. Acreditamos que mais que oferecer uma oportunidade de praticar um esporte, o nosso maior desafio é desenvolver a autoestima das crianças e adolescentes que participam das várias atividades. Muitos sabem que nunca teriam a oportunidade de participar de algo parecido, até porque muitos precisam entrar no mercado de trabalho muito cedo para ajudar no sustento de suas famílias. Estes valores são sim trabalhados no Instituto e temos visto inúmeros resultados extraordinários.

Somos Progressistas. Com exceção da Igreja Renascer e de algumas igrejas históricas, de modo geral a igreja evangélica brasileira parece demonstrar pouco interesse em atividades culturais e esportivas. Diz-se haver uma maior resistência no pentecostalismo. Na Deus é Amor crianças e adolescentes são proibidos de participar de aulas de educação física e jogar futebol. Que podemos dizer a respeito?

Renildo Lopes Júnior. Depende. Minhas raízes são pentecostais, embora atualmente pastorei uma igreja Batista. Passei a congregar em uma igreja batista na adolescência não por uma questão doutrinária, mas porque nas igrejas batistas podíamos praticar esportes. Houve algumas mudanças. Apesar de nas igrejas pentecostais clássicas existir alguma resistência, não é mais como há alguns anos. Faço parte de uma missão que tem atuado junto a igrejas na periferia de Natal, e sabe o que temos descoberto? Muitas igrejas neopentecostais estão comprometidas com a transformação social por meio dos esportes. Claro que tudo é muito novo, mas temos visto bons sinais do Reino de Deus.  

Somos Progressistas. Os esportes de combate ou de luta – e o mais popular deles, o Ultimate Fighting Championship (UFC) – têm tido uma maior aceitação nos últimos anos, mas ainda há resistência por parte de lideranças evangélicas e certo preconceito com relação a esportes como Capoeira e o Taekwondo. São dois esportes oferecidos pelo Instituto Viva Esperança. Qual é a importância destes esportes de combate e de que maneira eles contribuem com o desenvolvimento social dos alunos?

Renildo Lopes. O termo esporte pode soar aos ouvidos de alguns religiosos como uma atividade mundana, e isso ocorre devido a um entendimento dualista que muitos cristãos têm: a vida é sempre dividida entre sagrado e secular. Quebrar tais paradigmas não é tarefa fácil. No Instituto Viva Esperança possuímos duas atividades esportivas: Taekwondo e Capoeira. Das atividades esportivas e culturais que oferecemos, o Taekwondo e a Capoeira são as mais procuradas. São atividades esportivas importantes por que nos ajudam a agregar mais jovens no projeto. Estas duas atividades ajudam a desenvolver disciplina, valores de respeito ao próximo, e contribuem no desempenho escolar.

Somos Progressistas. A partir do dia 14 de junho o mundo acompanhara a Copa do Mundo FIFA 2018, e que será realizada na conservadora Rússia de Vladmir Putin. Recentes manifestações contrárias ao governo russo – lideradas por jovens e ativistas de movimentos anarquistas e nacionalistas – cobram mais liberdade de expressão e fim da corrupção no País. Qual é a sua esperança com relação à Copa?

Renildo Lopes Júnior. A Rússia é um grande paradoxo, uma das grandes potências esportivas mundiais, tem trabalhos extraordinários nesse campo, mas é também um dos países mais complicados politicamente. Fora a inspiração que muitos atletas oriundos de comunidades carentes espalhadas pelo mundo despertam em diversas crianças, nada de significativo muda. Eventos esportivos dessa magnitude são exclusividades de uma minoria - os valores econômicos falam mais alto. Acredito que se cada comunidade cristã compreendesse seu papel na transformação das comunidades carentes, poderíamos usar esse evento esportivo como um meio para implantar novos projetos, incentivar suas comunidades a se envolver com as lutas dos menos favorecidos. Quando vejo no prédio em que reunimos a igreja circular cerca de 170 crianças participando de atividades de balé, Taekwondo, capoeira, futebol, aula de violão aula de canto e flauta, começo a ter esperança de dias melhores. Crer.

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